Serena faz pirraça e esvazia causa de todas
Depois de todo mundo discutir a posição e mau comportamento da maior tenista de todos os tempos na final de um Grand Slam, vamos pensar nos efeitos.
Cheguei e antes que alguém grite que eu vim chutar cachorro morto, que eu estou louca ou que eu simplesmente sou caça cliques: Eu não ganho nada com isso aqui. Dito isso…
Então crianças, todos sabemos que Serena Williams é a Rainha, Mandatária e Proprietária da WTA e todos nós ficamos um pouco assustados com toda aquela cena que ela protagonizou na final do US Open.
Como acho que todo mundo que tá aqui sabe de que “cena” estou falando, vou pular a parte de contextualização.
Foi horroroso, patético, vergonhoso mesmo. Foi triste, muito triste. Uma tristeza profunda, principalmente pela Naomi Osaka. Mas a parte de escancararem isso também já foi feita. A galera discutiu muitas coisas, desde regra até chegar em quanto Serena tinha de razão. Por isso, vou me ater ao “pós-mortem” .
Confesso a vocês que eu estava achando as reclamações inúteis e exageradas, até a Serena dizer ao Carlos Ramos “Você me conhece, sabe que eu não preciso trapacear para ganhar”.
Eis aqui meu primeiro ponto: Não é a primeira vez que a Serena fala isso a respeito de pedir ‘Coaching’ em quadra e isso sempre me incomodou. Primeiro, porque pedir orientação técnica ao treinador no circuito profissional feminino fora Grand Slams é plenamente legal, não há trapaça nisso. Segundo, é que a legalização do ‘Coaching’ na WTA é um dos principais mecanismos de ataque utilizados por machistas para criticar as competições femininas.
Já cansei de ler e ouvir coisas como: “Credo, jogo de mulher é tão ruim, que só se resolve quando um homem entra em quadra e dá as ordens a uma delas” e/ou: “Mulheres são tão fracas que precisam de uma pessoa de fora vendo o jogo para orientá-las sobre o que fazer” e assim sucessivamente e coisas muito parecidas e/ou piores.
Chegamos ao título do texto: Exatamente por ser uma grande campeã e uma competidora muito confiante, Serena escancara uma insegurança, artifício ou diferencial (no caso de um treinador muito bom) das rivais como se fosse uma “trapaça”, algo ilegal, imoral e principalmente DESONESTO. Só que não é, na maior parte dos casos. Foi, quando o Patrick Mouratoglou fez pra ela.
Não vou entrar no mérito se ela viu ou não viu lá na hora. Não precisava de tanto. O árbitro deu a punição? Questiona. Segue firme? Foca no jogo porque a autoridade é ele.
Não foi assim. Ela continuou jogando mal e decidiu quebrar uma raquete. Obviamente tomou outra punição e perdeu seu primeiro ponto.
Tivesse ela quebrado a raquete apenas de cabeça quente e posteriomente focado-se no jogo, melhor. Mas o que Serena fez? Foi usar do “poder”, foi dar uma carteirada.
Frases como “Você me deve um pedido de desculpas”; “Você sabe quem eu sou”; “Você DEVE retirar advertência por coaching agora. Eu não trapaceio”; “Você é mentiroso”; “Você me roubou um ponto”; “Você é um ladrão”; “Você sabe que eu não preciso disso”; “Você me roubou um ponto”… se sucederam como uma queda d’água.
Serena Williams perdeu o controle, coisa que sabemos que sempre está perto de acontecer quando ela joga mal. Entretanto, no meio do descontrole ela usava da sua figura “máxima” para impor seu desejo sob a regra. Fomentando muito o papinho de que pra ela é diferente porque o resto do circuito é fraco, fraco.
Muita gente falou do “descontrole emocional” da Serena, sinceramente isso pra mim é lenha pra sexista que curte pregar que mulher é histérica. Teymuraz Gabashvilli deu o piti mais histérico que eu vi numa quadra de tênis e eu estava a poucos metros dele. Diante daquilo, Serena só faltou um pouco alto com o Carlos Ramos.
Dito isso, chegamos ao momento em que Serena perde total a noção de espaço, respeito e hierarquia e além de chamar Carlos Ramos de “ladrão” sucessivas vezes, ela diz três vezes seguidas: “Você faz isso porque eu sou mulher” e volta a insinuar que se fosse um “cara” Carlos Ramos teria conversado. Teria punido a recorrência. Voltou a dizer ao árbitro: “Você faz isso para o destaque” — no dizer dela ele queria aparecer mais que todo mundo.
Pra mim, neste exato momento antes de perder o game (que seria de saque da Osaka) e da entrada dos fiscais do torneio, onde ela repete as mesmas ‘maluquices’ de que não aconteceria se fosse “homem”. Acho que ela perde a mão por completo.
Primeiro que nós que seguimos o circuito ATP e o WTA sabemos que homens levam muito mais advertências que mulheres em jogos. Segundo o Christopher Clarey do The New York Times, só no US Open foram 86 advertência para homens e 22 para mulheres. O que dá em números a discrepância de comportamento de atletas, mas padrão dos árbitros.
Com base nisso, e usando a desculpa da Serena de que foi uma vítima das supostas misoginia e machismo do Ramos, podemos dizer em absoluto que Serena Williams conseguiu esvaziar a discussão sobre sexismo. Enfraquecê-la. E pior, foi apoiada pela Victoria Azarenka no Twitter.
É bom ressaltar que a Serena não esvaziou a pauta da misoginia apenas na final. Eu não me recordo de vê-la falar da decisão de Roland Garros de proibir seu traje deste ano ou algo parecido nas próximas edições. A vi elogiar o vestido de corpo justo e saia bailarina (tutu) que a Nike desenhou pra ela no US Open.
Entretanto, nada sobre o visual ‘Black Panther’. Não, após as infelizes e misóginas declarações do Bernard Giudicelli.
Ainda nos primeiros dias de US Open, a francesa Alizé Cornet foi multada por “desvirar” uma blusa em quadra, que colocou na posição errada no vestiário. O tema rendeu uma discussão enorme sobre o direito das meninas, que usam top e também sofrem com calor e a maioria joga em horários mais cruéis de incidência solar que homens em torneios mistos.
Muita gente protestou em favor de Cornet. O US Open inventou uma frase horrorosa pra justificar uma regra patética a respeito da troca de roupa das meninas em quadra nos Grand Slams, dizendo que a troca tinha que ser feita com as atletas sentadas.
Cornet, inclusive, disse que a multa e as desculpas não era tão sexistas quanto a proibição por parte da federação de tênis do país dela para com o traje da Serena e a norte-americana esteve calada sobre o tema.
Se você achar algo, traz pra mim. Eu não dou conta de tudo, mas eu não vi nada mesmo.
Serena foi pra coletiva de imprensa ciente de que Ramos estava certo, que o treinador dela inclusive assumiu a ilegalidade com um papo bem furreca de “todo mundo faz” — diria minha mãe: ‘Vai lá, pula da ponte. Todo mundo vai pular da ponte’.
Voltando, Serena fingiu que era a vítima. Voltou a falar de trapaça e disse, como tinha dito em quadra, que se fosse ela um homem que tivesse chamado o Ramos de “ladrão” nada teria acontecido a ele.
WHATTA HELL?
A gente sabe, eu já noticiei muito, que por ‘elogios’ mais leves que “ladrão” e “mentiroso” muito jogador já foi multado. Kyrgios já tomou 2 mil dólares pelo árbitro ter entendido que ele teria dito “é cega essa bosta” (numa tradução literal).
Convenhamos que eu preferia ser chamada de cega do que de ladra. Mesmo não sendo nenhuma das duas coisas.
Aí uma semana depois, e é por isso que dei cabo desse texto, Serena Williams, que fingiu que nada aconteceu esse tempo todo, vai a um evento de patrocinador, participa de um bate-papo/entrevista e me solta: “Continuo sem entender. A verdade é que nós, enquanto mulheres, só podemos fazer metade do que os homens fazem dentro de uma quadra de tênis”.
AH… ME RESPEITA!
Há tanto sexismo no tênis. Tanto machismo camuflado de “compreensão” e apoio. Tanta misoginia disfarçada de registros econômicos e atração de público (Basta saber que 1,3 milhão de pessoas a mais assistiu à final feminina do US Open). Mas aí, como em 2009 quando ameaçou uma juíza de linha e foi desclassificada na semifinal do US Open contra a belga Kim Clijsters que tinha o match-point, Serena não consegue admitir que esteve errada e lasca com tudo.
Errar é humano e até “super-humanos” como ela, são apenas humanos. Eles erram, mas como “super-humanos” eles são exemplo a outros, alicerce de lutas e espelho para jovens.
Quando um “super-humano” não reconhece um erro, ele diz a quem lhe tem como exemplo ou espelho que: 1) errar não cabe nunca na vida; 2) Reconhecer erros é coisa de gente fraca; 3) Dependendo de quem se é, nunca se está errado; 4) Ensina a transferir culpa e jamais assumir os próprios atos; 5) Aponta que se não conquista por mérito, pode errar e tripudiar do outro, porque faz parte.
Quando um “super-humano” deixa de ser alicerce de uma luta, ela passa: 1) a Ser vítima da luta; 2) Dá ferramentas e argumentos para quem é oposto a luta; 3) Deixa sozinhos os ajudantes, seres humanos comuns, da batalha. Sozinhos eles fraquejam e são engolidos pelo inimigo.
Mais do que desmerecer Naomi Osaka e sua vitória, mais do que desrespeitar Carlos Ramos e sua atividade profissional, Serena Williams derrubou diversos blocos que colocamos na escada em busca da equidade no tênis/mundo. Alguns degraus foram desfeitos, justo por quem ia sempre diante de todas nós.